quinta-feira, 21 de outubro de 2010
UM MAR DE OPORTUNIDADES PARA EXPLORAR EM SÃO MARTINHO DO PORTO
No Dia do Mar defendeu-se que S. Martinho deve ter como público alvo os velhos ricos do Norte da Europa “porque velhos e novos pobres já nós temos em Portugal”
Do turismo aos desportos náuticos, da saúde e bem-estar pela água à gastronomia. Há um mar de oportunidades no mar de São Martinho. E para que o futuro da vila balnear seja próspero, é preciso que entidades públicas e privadas olhem com outros olhos para a baía.
A ideia não é nova, mas ganha agora um novo alento, quando tanto se discute se Portugal deve ou não voltar a virar-se para o Atlântico em busca de um futuro mais risonho que aquele que parece vislumbrar-se se continuar de costas para o mar, virado para a Europa. E na Concha Azul as sementes de um debate que promete juntar autarquia, associações, agentes económicos, população e forças políticas foram recentemente lançadas, no âmbito das Comemorações do Dia Mundial do Mar.
Nesse dia largas dezenas de pessoas compunham a plateia do salão do quartel dos bombeiros locais. Já pela mesa foram desfilando representantes de organismos com competência no domínio marítimo e no turismo, políticos e o ‘guru’ do ‘hypercluster do mar’, o economista Ernâni Lopes.
Ministro das Finanças entre 1983 e 1985, Ernâni Lopes diz que “no século XXI o maior factor estratégico será provavelmente os oceanos. Estamos a viver o início do que será uma relação mais estreita entre o homem e o mar”. Na sua visão, o mar é um “hypercluster” – “um conjunto de novas e velhas possibilidades”, um grande cluster que integra vários clusters, da náutica de recreio e turismo, passando pelos transportes marítimos, pela construção naval, pela pesca, aquacultura e indústria de pescado, pela produção energética, pelos serviços marítimos. E o economista defende que “é preciso uma abordagem holística: ou se resolve tudo, ou não se está a resolver nada”.
Ernâni Lopes conhece bem São Martinho do Porto e sabe que a ligação da vila ao mar é fundamental. “São Martinho foi durante muitos anos um local de férias, de embarcadiços e de alguma pesca”, mas a realidade actual é bem diferente. Com as acessibilidades rodoviárias que agora existem, a vila deixou de estar longe dos grandes centros urbanos, sobretudo de Lisboa. E o aumento da construção civil levou a “uma mudança inimaginável” nos últimos dez anos, com muita gente a adquirir ali a sua segunda residência. E aqui, um dos alvos é claro: “velhos ricos do Norte da Europa, porque velhos e novos pobres já nós temos em Portugal”.
São Martinho do Porto tem, por isso mesmo, que aproveitar as suas mais-valias para vingar, a começar pelo facto da baía ser um fenómeno natural único. “A pesca artesanal é uma chave para o futuro”. E porquê? Porque o peixe que ali se come “não é peixe, é uma iguaria” que não se encontra em muitos lados e cujo valor acrescentado deve ser salvaguardado. “Por amor de Deus, não a deixem proletarizar. Deixem os pescadores ganharem dinheiro e eles que vendam o peixe mais caro porque o consumidor vai pagar”, apelou.
Segue-se a articulação entre o mar e o turismo. “São Martinho tem que estar, e não está, ligado a Alcobaça, Nazaré, Óbidos, Aljubarrota (campos de São Jorge), Batalha, Fátima, Ourém. Isto nunca aconteceu porque cada um olha para o seu mini-umbigo. Talvez não acontecesse se olhassem para a sua micro-geoestratégia”.
O futuro, acredita o economista, passa ainda pela valorização da náutica de recreio e do turismo. E para que os atractivos sejam mais que as águas da Concha Azul e o areal, há que investir no ensino de vela, de remo, apostar na natação nas escolas. Para que se alcance o sucesso, “tem que haver congregação dos vários parceiros em jogo”. É que “entre o bidé das marquesas e a praia das tias, as condições estão cá”. E isto ganha uma importância crescida numa altura em que “estamos a jogar o futuro de Portugal no mar”.
É preciso ter mais que mar para oferecer
O que pode ser feito em São Martinho é algo que ainda dará azo a muita discussão. Mas todos os intervenientes de um longo dia de debate foram unânimes: é preciso ter mais que mar para oferecer.
Assunção Cristas, deputada eleita pelo CDS-PP à Assembleia da República, deu o exemplo: se tivesse um amigo estrangeiro que viesse passar uma semana consigo a São Martinho, o que havia para o entreter além da praia? O que se pretende não é que ele passe um ou dois dias deitado ao sol e que depois vá para Lisboa ou para o Algarve. O ideal seria que ele fosse, quanto muito, uma ou duas manhãs conhecer algumas atracções no Oeste, mas que depois voltasse para São Martinho, atraído por diversas actividades. Uma situação ideal, que está longe da realidade actual.
Acreditando que “o mar deve ser um desígnio nacional”, a deputada centrista defendeu que a relação com o mar “foi o que justificou a nossa independência, garante da nossa História e é aquilo que nos pode projectar para o futuro”. Mas para que isso aconteça, é preciso que os portugueses estabeleçam uma nova relação com o oceano, que vá além do quanto sabe bem estender-se ao sol nos dias de Verão. “O desafio é tirar as pessoas da praia e levá-las para o mar. Isto passa também pela educação e formação para o mar”.
Já o colega social-democrata, Paulo Santos, apontou que o potencial náutico de São Martinho não pode ser esquecido quando se pensa no futuro. E para que este se afirme como um destino turístico de referência “devemos reclamar para a região equipamentos de referência”. O deputado do PSD acredita que “São Martinho tem todas as condições para acolher um projecto-âncora nesta matéria”, um investimento que não deve depender, pelo menos não exclusivamente, de financiamento público.
A possibilidade da vila vir a ter uma marina foi por diversas vezes levantada. Mas há um projecto aprovado para a Nazaré e em Peniche fazem-se planos para requalificar a existente. E em tão poucos quilómetros de costa “há espaço para tanta marina?”, questionou Jorge Gonçalves, em representação dos deputados socialistas eleitos à Assembleia da República pelo distrito de Leiria.
Para o socialista, o futuro faz-se, também, pela defesa das estruturas existentes, como o porto de recreio. E se é certo que “o mar vai continuar a dar importância à região, a questão da sazonalidade é um problema difícil de ultrapassar”. Para que se consiga chegar a bom porto, é preciso levar em linha de conta a actividade piscatória. O deputado conhece bem o “cenário preocupante em que o sector se encontra actualmente na região”, e sabe que em São Martinho não há grande tradição nas pescas. “Mas havendo recursos marinhos cada vez mais escassos, esta poderia também ser uma zona propícia à aquicultura”.
Cientes de que nada pode avançar sem os devidos estudos, os deputados são ainda unânimes num outro ponto: o desenvolvimento aliado ao turismo deve ser sustentável. Neste contexto, a Linha do Oeste e a abertura da base aérea de Monte Real ao tráfego civil são consideradas cruciais por Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda. A linha ferroviária que serve a região é “uma das mais moribundas na rede ferroviária nacional” e “a sua modernização é extremamente fundamental para o desenvolvimento da região”.
Devidamente requalificada, a Linha do Oeste seria a ideal para fazer a articulação com a base aérea. A sua utilização civil viria colmatar a lacuna deixada na região pela deslocalização do novo aeroporto para Alcochete e seria importante para captar os voos low cost, cada vez mais utilizados pelos turistas, até mesmo aqueles que têm maior poder de compra.
As possibilidades são muitas e será preciso muito tempo para as discutir e estudar. “Temos uma absoluta necessidade de potenciar outras vertentes que não as da praia”, apontou o presidente do Turismo do Oeste, António Carneiro. Se durante muito tempo a imagem do país assentou em “sol e praia”, o que hoje se vende lá fora é “sol e mar”, com enfoque nos desportos náuticos, na cultura piscatória, no contacto com a natureza.
A própria estratégia da região de turismo passa pelo mar e pelos seus produtos, aos quais se juntam o golfe e o turismo residencial como principais atractivos. Urge romper com os erros do passado e lavrar novos caminhos. É que “ao longo do século XX a imagem da região esteve muito centrada nas estâncias balneares convencionais”, apontou António Carneiro.
Joana Fialho
jfialho@gazetacaldas.com
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