Sâo Martinho para Caldas
“No fim de estourar com a baía de São Martinho e serras contíguas, numa fúria urbanizadora, a Câmara de Alcobaça contrata um arquitecto bem pago para impressionar e tentar remediar cosmeticamente o que criminosa e alarvemente destruiu!”
Estas palavras foram publicadas no jornal Público pelo saudoso Eduardo Prado Coelho, eminente figura da cultura portuguesa, grande amigo e frequentador de São Martinho do Porto. Esta é a realidade que temos! Podemos “agradecê-la”, principalmente, aos responsáveis políticos e técnicos da Câmara Municipal de Alcobaça (C.M.A.), bem como a algumas “personalidades” locais, que durante décadas assistiram e/ou colaboraram neste processo destrutivo.
Não houve apenas uma requalificação da Avenida Marginal, mas sim duas, em apenas doze anos. A primeira trouxe palmeiras, candeeiros esquisitos e de má qualidade, alcatrão, passeios, redes de suporte de areias, levou valiosos e bonitos candeeiros, e custou ao erário público, segundo nos informaram, mais de um milhão de euros, na moeda actual. A segunda requalificação, ou melhor, a segunda “meia-requalificação” (porque metade da Avenida Marginal parece pertencer a outra nação), que nos levou o antigo e belo paredão e nos deixou um muro e pinheiros, cortou radicalmente com a tradição, com uma visão modernista, esteticamente discutível, com a funcionalidade que todos conhecemos e o custo que quase todos desconhecemos.
Alcobaça há muito que deveria ter percebido, que não é com obras pontuais e eleitoralistas deste tipo, que convence os sãomartinhenses a esquecerem a destruição e o saque a que tem sido sujeito o património natural e construído da sua terra. Ao mesmo tempo, São Martinho do Porto tem sido uma autêntica “galinha dos ovos de ouro” para muitos interesses. A C.M.A. que lucra, e muito, com as taxas, licenças e impostos (dos mais altos da região), nunca se preocupou com os verdadeiros problemas da população local. Antes pelo contrário.
Toda a Freguesia de São Martinho do Porto apresenta enormes carências. O que fez a C.M.A. quanto ao meio ambiente? Quanto às Infra-estruturas? Quanto aos equipamentos? Quanto ao comércio e os serviços? Quanto à indústria não poluente? Quanto aos empregos? Quanto à habitação a custos controlados? Enfim, quanto à qualidade de vida das pessoas o ano inteiro?
Será realidade ou ficção?
O Meio Ambiente
“São Martinho tem sido martirizado”. Estas são palavras de uma ex-ministra do Ambiente de Portugal. O património natural e construído desta terra tem sido, pura e simplesmente, arrasado ao sabor de todo o tipo de inconfessados interesses. Porque não existem, desde finais dos anos 50, Plano de Urbanização e outros instrumentos de Planeamento e Ordenamento do território em São Martinho do Porto? A quem interessa esta situação?
- A poluição e o assoreamento da baía têm aumentado (inviabilizando já a utilização do porto). As soluções até agora encontradas não só não resolveram como agravaram este problema, com a colocação de um emissário submarino a escassos metros da costa e da entrada da barra. Com as correntes, cada vez mais frequentes, do Sul, os efluentes (esgotos) entram na baía.
- Os odores nauseabundos a esgoto doméstico, de pecuárias e de vacarias são frequentes. São frequentes os colapsos do sistema de saneamento básico, os maus cheiros e o aproveitamento do sistema de águas pluviais para esgotos domésticos.
- A ocupação dos espaços por construções novas tem sido milimétrica, ao ponto de se edificarem prédios cujas fachadas começam onde outrora existiam simples muros de vedação de moradias. Se isto não bastasse, junta-se o facto de os mesmos possuírem varandas a ocuparem escandalosamente o espaço público. Para que servirá, afinal, o Regulamento Geral de Edificações Urbanas?
- Não existem espaços destinados ao lazer como jardins, campo de jogos e / ou simples espaços para as crianças brincarem. Os novos bairros não possuem, por incrível que pareça, espaços públicos.
- A paisagem, também um direito de todos, tem sido tapada / obstruída com a construção de autênticos “monstros” junto à linha de costa e em escarpas “protegidas”.
- As situações do Hotel Parque (construído em 1910), outrora hotel de luxo na região, do edifício principal da antiga Estação do Caminho-de-Ferro Americano (mandado construir pelo duque de Loulé em 1862), e do Cruzeiro e zona envolvente, são flagrantes exemplos da falta de respeito pelo património local.
As infraestruturas
Se avaliarmos o que tivemos por iniciativa dos são martinhenses, à época, e a situação actual, podemos afirmar que não houve, por parte da C. M. A., os investimentos em infra-estruturas gritantemente necessárias desde há dezenas de anos.
- Os caminhos, as ruas, as estradas, encontram-se, no geral, em estado deplorável, sendo os exemplos mais flagrantes o início da Avenida Marginal (da ponte sobre o rio de Tornada até à rotunda), a zona histórica (Outeiro), a rua Dr. Gagliardini Graça (do antigo cinema), o bairro da panificadora, o casal dos Medãos, a Serra dos Mangues, a Venda Nova e Vale do Paraíso, entre outros. Má ou inexistente pavimentação e falta de passeios públicos em quase todos os arruamentos (nos poucos que existem é impossível serem utilizados por cadeiras de rodas, carros de bebés, deficientes motores, invisuais, com iluminação pública, sinalética e até cabines de gás a ocuparem grande parte dos mesmos), para insegurança constante de todos. O trânsito está cada vez mais caótico, sem postura e sinalética adequadas e sem estacionamentos.
- A iluminação pública, outrora propriedade da terra, continua na maior parte da freguesia em condições inadmissíveis em quantidade e qualidade. A infra-estrutura existente apresenta, quase toda, características que nem em pequenas aldeias já se encontram: instalações aéreas com cabos amontoados, que mais parecem estendais, incluindo-se neste caos as redes de telecomunicações.
- A água canalizada continua a apresentar graves problemas de abastecimento e de qualidade, principalmente nos períodos de maior afluência de pessoas.
- O saneamento básico persiste com gravíssimas falhas no que respeita à estrutura existente (muito antiquada na maior parte da freguesia). Há zonas sem saneamento e mesmo esgotos a céu aberto.
Os equipamentos
Nunca a C. M. A. construiu de raiz qualquer edifício para albergar serviços públicos, limitando-se a fazer ocupar estruturas já existentes e, na sua maioria, propriedade da Freguesia. Assim, os serviços não possuem instalações próprias para o fim a que se destinam e, no geral, as condições são más.
- A Junta de Freguesia não possui sede própria desde a extinção do concelho de São Martinho do Porto, em 1855, e o edifício sede dos antigos Paços de Concelho, onde funcionaram vários serviços públicos (escola, prisão, quartel de bombeiros) encontra-se em degradação acelerada. Não deveria já ter sido restaurado este espaço, devolvendo-lhe a dignidade que já teve, como sede do poder local e de outros serviços de apoio à comunidade?
- A Extensão de Saúde encontra-se há décadas a funcionar em instalações provisórias, com constantes mudanças de local, sem as condições exigíveis e com enorme dispêndio e desperdício de verbas.
- A Segurança Pública, inicialmente da responsabilidade da G.N.R. com instalações próprias, passou a ser assegurada pela P.S.P. em instalações provisórias (num edifício de habitação) e, actualmente, à G.N.R. em instalações provisórias, na antiga central eléctrica (património local).
- A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Martinho do Porto, que desde a fundação tem prestado valorosos serviços à população da região e não só, tem-se construído e mantido essencialmente com o apoio das populações e do comércio da zona.
- A Educação revela graves carências de adaptação às exigências actuais, com as escolas existentes a necessitarem de requalificação urgente, já prevista no caso da Escola E. B. 2, 3 e Secundária, da tutela do Governo (Secundária, sublinhe-se, por iniciativa de instituições da terra). Será que a instalação de uma superfície comercial bem encostada aquela escola, infringindo o bom senso e contra a vontade expressa dos seus órgãos directivos, fará parte da “requalificação”? A Escola do 1º Ciclo, da responsabilidade da C. M. A., tem graves problemas de instalações e de equipamentos, devendo transformar-se em Centro Escolar, a exemplo dos modelos actuais. O ensino pré-primário, fundamental, nunca existiu na Freguesia. As antigas escolas de Serra dos Mangues e de Vale do Paraíso encontram-se abandonadas pelos responsáveis autárquicos. O Colégio José Bento da Silva deixou de cumprir o objectivo do seu fundador: o ensino e a formação.
- A Cultura limita-se, actualmente, ao empenho e às actividades desenvolvidas pela Casa da Cultura que, sem os apoios necessários, dá o seu melhor, colmatando assim a ausência de sensibilidade nesta área por parte dos responsáveis políticos. A destruição do antigo cinema, sem alternativa, é mais um exemplo do desprezo a que a terra tem sido votada (sem esquecer a demolição do antigo coreto).
- O Desporto tem vivido, à falta de investimento das entidades oficiais, das boas vontades e do esforço de um punhado de gente que tem tentado dar aos jovens a possibilidade de praticarem actividades saudáveis e de sociabilização, contribuindo desta forma para a formação integral dos mais novos. Os poucos equipamentos existentes foram conseguidos através de muito esforço, numa localidade onde existe um enorme potencial turístico-desportivo (mormente nos desportos náuticos e não só).
- O Apoio Social só existe por iniciativa de um benemérito local: Manuel Francisco Clérigo. Que seria de São Martinho sem a Fundação? Jardim-de-infância, A.T.L., Lar, apoio domiciliário, bolsas de estudo, empregos, entre outros, são serviços sociais de enorme relevância para a população local e não só.
- O Mercado Municipal (Praça), construído há mais de vinte anos, encontra-se num estado de conservação deplorável e sem estacionamento. Não se entende como uma importante mais-valia para a população local e turística chegou a este ponto. No local persiste um velho barracão que impede a requalificação de toda a zona. Esse espaço tem condições ímpares para (co) existirem um parqueamento, com zona ajardinada e um espaço de lazer ao nível da via.
- O Comércio Local, actualmente em acelerada decadência, não tem recebido a merecida atenção dos responsáveis políticos. Desde sempre contribuiu para o desenvolvimento e sustentabilidade do tecido social, colaborando nas iniciativas / eventos locais (culturais, desportivos, humanitários, entre outras causas), dando identidade à própria terra, o comércio tradicional tem a sua morte anunciada.
- O Turismo, que conheceu um período próspero em décadas passadas (nomeadamente dos anos 60 a 80), perdeu qualidade, capacidade de oferta e, consequentemente, de atracção: por total ausência de respeito pelo ambiente e património, por falta de iniciativas (de carácter cultural, desportivo, entre outras) e pelos insuficientes apoios às actividades/eventos que se procuram realizar localmente. O Posto de Turismo, que em tempos se situou em espaço próprio, numa zona privilegiada, visível, de fácil e rápido acesso, encontra-se hoje numa rua fechada ao trânsito, num local exíguo, sem dignidade para o serviço que deve oferecer a todos os que o procuram.
- Os Transportes Públicos, rodoviários e ferroviários, oferecem péssimas ligações a Alcobaça e muito boas a Caldas da Rainha.
Brevemente a nossa posição sobre o FUTURO